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terça-feira, 15 de agosto de 2017

O que virá



Você está sentado na varanda de casa. Nela tem uma rede estendida onde você costuma se aconchegar na companhia de um livro e das plantas que passou a cultivar. É aí onde te vejo. Numa varanda repleta de plantas e no balanço suave de uma rede, sentindo a brisa serena de um fim de tarde enquanto o sol se põe. Aos poucos você aprendeu a se presentear com pequenos instantes de poesia no meio da rotina cansada e isso tem trazido a você a paz interior que os seus vinte e poucos não trouxeram. Sem inquietude e sem pressa, a vida ganhou outro sabor, e os cinquenta chegaram sorrateiros, sem pesar as costas ou cansar os pés. 

Fins de tarde agora te trazem um misto de alegria, nostalgia e esperança. Chegam sempre acompanhados de um sorriso no rosto e um turbilhão de lembranças, algumas felizes, outras nem tanto. É nesse cessar de vozes e acender de luzes espalhadas cidade a fora que você agora realiza preces diárias em agradecimento a tudo o que viveu e conquistou. Natural e intuitivamente você se pega num retrospecto dos anos, respira fundo e sorri.

Você se tornou uma pessoa menos pessimista com o passar do tempo. Descobriu que caminhos pintados de cinza não te levariam a horizontes coloridos, e aprendeu a confiar mais em si e no seu coração. Aprendeu que não existe nada de errado em criar expectativas, desde que razão e coração estejam alinhados em uma mesma sintonia. Claro que, vez ou outra, as batidas no seu peito irão sair do eixo, mas, quem sabe a essa altura, você também tenha aprendido a lidar com as consequências de quando deseja mais do que possam te oferecer. 

Estou por aqui tentando acertar as coisas para você.  Espero que as escolhas que tomarei daqui para frente tornem, de fato, a vida mais leve. Espero que você tenha cruzado fronteiras e que isso tenha te rendido histórias inesquecíveis; que os velhos amigos tenham permanecido e que falar de amor te traga lembranças não de um passado distante, mas de um presente vivo em cores, olhares e afetos. 


Este texto faz parte do projeto Cinco Lados, onde 5 escritores se desafiaram a escrever sobre 15 temas diferentes. “O que virá” é baseado no tema “Uma texto para você no futuro”. Você pode acompanhar todas as outras postagens através destes blogs: Acenda Essa Luz, A Gangorra, Estórias pra Contar e Parede de Sonhos.

domingo, 23 de julho de 2017

Carta para quem ainda é



Eu queria poder mentir e dizer que muito relutei em escrever essas palavras. Negar que tenho pensado em você nos últimos dias – meses e anos - seria entrar em contradição com tudo o que eu venho sentindo aqui dentro. É saudade, eu sei. Mas é uma saudade boa, daquelas que fazem a gente respirar calmo e rir de pequenas bobagens que um dia nos fizeram querer estar para sempre do lado um do outro.

Te escrevo mais uma vez, porque dentre tantos romances e ensaios quase certeiros de uma vida a dois, você foi e continua sendo quem mais me desperta lembranças das quais me alegro em manter. É uma sensação engraçada que, para muitos, pode soar como dependência, mas eu traduzo como amor. E eu nunca neguei isso.

Sempre foi amor, mesmo quando tentei te apagar da memória à força, era amor. E mesmo que os meses passem com a rapidez de um raio e a vida não me traga notícias suas, será amor. Falar de amor pode soar tão piegas, mas depois que a gente cresce e entende do que se trata, pouco importa como se pareça; sentir é a questão.  Mas disso você já sabe. E se hoje eu sei, aprendi com você.

Talvez seja por isso que tudo o que veio depois não tenha surtido tanto efeito assim que passou, por mais importante, bonito e intenso que tenha sido - ou seja lá como eu possa definir. E você não passou, você ainda está, você ainda é. Você permanece no calor de um abraço inesperado no meio da rua, de uma mensagem de “e aí, como vai” e até mesmo nos presentes que ainda enfeitam minha estante.

Te escrevo com o único propósito de reforçar  algo que já foi dito: te amar me fez/faz bem. E me alegro em saber que nossa história de afeto e companheirismo ainda pode ser contada, relembrada e vivida com carinho e um sorriso escancarado no rosto. Quanto à saudade, vou sentindo por aqui até que nos encontremos no meio de um dia corrido ou numa festa qualquer.



Este texto faz parte do projeto Cinco Lados, onde 5 escritores se desafiaram a escrever sobre 15 temas diferentes. O texto “Carta para quem ainda é” é baseado no tema “Uma carta para alguém”. Você pode acompanhar todas as outras postagens através destes blogs: Acenda Essa Luz, A Gangorra, Estóriaspra Contar e Parede de Sonhos.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Não faz sentido esquecer


Não faz mais sentido negar o que sempre esteve claro: nós valemos à pena. É burrice pensar que não deu certo só pelo fato de que chegou ao fim. É burrice empurrar para debaixo do tapete o que ainda resta de nós e apagar as lembranças que construímos e sempre vão ocupar um espaço na minha memória, e na sua também. Valemos à pena até onde nos permitimos, enquanto havia desejos e sonhos.

Já faz algum tempo que eu abandonei a birra que sustentava meu rancor desmedido e impedia que a saudade amolecesse meu coração. Me permiti sentir sua falta, relembrar o que fomos, tirar as fotografias da gaveta, reler as antigas cartas e ouvir aquela música que dizíamos ser  a trilha do nosso amor. Se doeu? Óbvio que sim. A saudade caiu com o peso de uma tonelada de momentos que ficaram para trás e hoje são peças da história que meu coração escreve dia após dia.

Há casos em que esquecer é a melhor saída, mas nosso caso eu quero lembrar com o carinho que preenchia os meus dias quando tudo começou. Quanto aos motivos que teceram a season finale do nosso romance, que sirvam de aprendizado e repousem em letras garrafais na listinha do que precisamos evitar em uma vida a dois. Afinal, é bem verdade que para o amor não existe receita, mas certos ingredientes azedam a mistura e fazem o caldo desandar antes mesmo que o peito se aqueça.

Vou tocando a vida com a maturidade necessária para entender os limites da saudade que hoje cativo. Porque não faz mais sentido evitar as recordações de quando você era meu maior desejo de felicidade. Não faz sentido tentar apagar o que sempre vai existir, ainda que o tempo lapide novas formas, imponha distâncias e novos sentidos para a vida.  Não faz sentido dizer que o felizes para sempre não existe, quando na verdade o “sempre” é tão relativo quanto o próprio tempo.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Meu adeus


Hoje eu me despeço de você, assim mesmo sem bilhete, sem carta de adeus, sem uma olhadela para guardar na lembrança um último sorriso seu. Me despeço por saber que sua falta pesará tanto quanto sua presença hoje me esmaga o peito, assim fria, sem toque ou atenção. Me despeço por amor a mim, por amor ao que ainda resta de puro e sadio, por amor a todo sentimento que guardo e que tanto me dispus a te entregar.

Hoje me despeço dos nossos encontros inesperados no meio da rua, das nossas mensagens trocadas e das vezes que busquei seu número na agenda do telefone e não liguei. Tive medo de perder o pouco que tinha da atenção minguada que você me oferecia, mas que alimentava meus dias de esperança e sorrisos confusos. Mas hoje, ainda confuso, me despeço.

Hoje eu me despeço por estar cansado de pular “Apenas Mais Uma De Amor” sempre que me pegava ouvindo o disco do Lulu; por gostar tanto de você tendo a certeza de que o lugar que a ti reservei na minha vida, não te apetece o olhar e muito menos o coração. Me despeço e, enquanto sigo na tentativa de curar minha ressaca de você, tropeço na vontade de voltar. É que o amor não é como vodka, que faz efeito e depois passa.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Quando parti


Quando decidi partir, busquei em mim a coragem que nunca tive, as palavras que nunca disse e a amargura do amontoado de vezes que fiz do silêncio meu escudo. Foi preciso mais do que um abrir de olhos para perceber que o nosso amor havia se tornado mobília velha acumulada no canto do peito. Mudar exigiu de mim mais do que a força necessária para te carregar nos braços todas as vezes que você se entregava ao sono no sofá da sala.

Quando decidi partir, deixei para trás tudo que já não cabia na mala: nossas brigas, a indiferença de tantos dias corridos e o vazio que ecoava em mim e em você. O amor nos deixou órfãos, de olhos inchados e coração endurecido; rasgou os traçados incertos de cada plano e nos obrigou a um adeus prematuro, sem tempo e vontade para um recomeço, um reinventar de nós.

Quando decidi partir, resolvi não olhar para trás. Anulei o pensamento e estanquei a dor no peito com um suspiro. Talvez você tenha me observado seguir pela rua, quem sabe em prantos ou não, quem sabe com alívio no peito, ou ainda se fazendo de forte para depois desabar, assim como eu faria mais tarde no vazio do quarto.

Quando decidi partir, assinei comigo mesmo um contrato de felicidade, incerto, talvez, mas com a liberdade de tentar e tentar sem arrependimentos. Confesso que busquei a liberdade de uma vida a dois, mas entre sete bilhões de possibilidades, por hora resolvi flertar com o que há de mais instigante: a vida.