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sábado, 1 de setembro de 2012

A volta


Do alto da rua ele avistou a casa amarela de janelas vermelhas. Por um instante foi abatido por um sentimento de saudade que lhe invadiu o peito e fez chorar os olhos. Descansou a mala surrada no chão e perdeu a coragem de seguir adiante. Havia crescido ali, correndo com os pés no barro, soltando pipa nos dias de sol e chutando lama quando o céu fazia chover.

Era o menor dos meninos da rua, mas tinha pose de rapaz grande, de olhos atentos e cabelos tão ruivos quanto o fogo das fogueiras de São João. O santo lhe apadrinhava a vida, inspirava o nome, protegia seus dias e as traquinagens de menino arteiro. Sua avó sempre dizia que seu nome era nome importante e que a ele lhe devia respeito. E assim, desde cedo, acostumou-se a passar todos os dias pela capela no alto do morro e fazer o sinal da cruz pedindo proteção.

Quando as brincadeiras de criança deram espaço às preocupações de gente adulta, ele se cansou das ruas que acabavam depois de alguns quarteirões e partiu para ganhar o mundo, confiando na sorte e nos cuidados dos céus. Saiu de casa com a benção da mãe, levando no peito a medalhinha da avó a quem tinha tanto apreço.

Passou fome, frio, trabalhou duro, casou-se, teve um filho, perdeu um filho, divorciou-se e se viu sozinho por entre as luzes da cidade grande. Lá onde as ruas não tinham fim, onde o chão era cinza e onde não se via pipas no céu. Foi então que decidiu voltar, recobrar os sentidos, procurar pela chama que o movia e que há muito se apagou. Não era como retroceder, andar para traz ou morrer na praia depois de tanto nadar. Voltaria pela esperança de resgatar aquele que um dia foi.

De volta, parado a poucos metros da casa onde crescera, além da saudade que o tomou de repente, sentiu medo de prosseguir. Medo bobo já que ele era aquilo que via. O céu azul, o chão de barro, a capela no alto do morro. Então seguiu enchendo os pulmões de puro ar, e ao parar em frente à porta de madeira, deixou que o cheiro do feijão de sua mãe lhe invadisse o nariz. Olhou no relógio que apontava o começo da tarde. Havia chegado na hora certa.

Sem convite ou anúncio entrou casa adentro, e se seu peito ardia em chamas, era pela certeza de que somente ali seria feliz.

2 comentários:

  1. A felicidade está nos menores lugares, está dentro do coração de poucos e nos sorrisos de muitos, entrarei sem permissão, porque quando a casa tem ar de portas abertas bons sorrisos entram.

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  2. E sua casa é assim, Ribeiro. Tem cheiro e carinho de casa de irmão, tem afeto a quem visitar e um coração tão puro quanto os de 'cidade pequena'. Um novo blog pra adoçar a vida com suas emoções. Um abraço, bem.

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